1/6/2020
Nunca se evidenciou tanto a importância da ciência como nos dias atuais. Mas de onde vem essa credibilidade no conhecimento científico? E qual a relação entre ciência e tecnologia?
O assunto sobre ciência é trabalhado nas aulas de filosofia do Ensino Médio, especialmente no segundo ou no terceiro ano.
De fato, a ciência é um tipo específico de conhecimento que por sua vez difere dos outros tipos de conhecimento como a filosofia, o senso comum e a religião.
Apesar da ciência, como um conhecimento específico, diferenciar da filosofia, ela surge no mesmo movimento. Isto é, ciência e filosofia surgem juntas na Grécia Antiga.
Mas como podemos assemelhar e diferenciar esses dois tipos de conhecimento: filosofia e ciência são racionais, pois buscam fundamentar suas conclusões. Filosofia e ciência eram consideradas uma mesma coisa até o Século XVII, período em que houve a Revolução Científica. Com esse movimento de separação entre filosofia e ciência, houve uma diferenciação conceitual. A filosofia passa a ser definida como conhecimento especulativo (racional porém fértil nas reflexões, possibilidades e visões de mundo); e a ciência passa a ser definida como conhecimento racional que precisa ser comprovado e demonstrado. Para essa comprovação e demonstração, vai se desenvolver o método científico, e os critérios para se fazer ciência, como a importância do conhecimento compartilhado através de teorias publicadas.
O conceito de tecnologia é desdobramento do conceito moderno de ciência. A ciência agora é prática no sentido de que suas conclusões e descobertas precisam ser comprovadas e demonstradas, e também surge a ideia de que através do conhecimento se pode intervir na natureza como possibilidades de intervenção e consequentemente de melhoria da condição humana. A essa aplicabilidade do conhecimento científico, com a possibilidade de intervir na natureza e modificar o meio humano, deu-se o nome de tecnologia. Então, tecnologia é a aplicabilidade da ciência.
O prestígio que o conhecimento científico tem vem da ideia de que esse conhecimento desvenda os segredos da natureza, é capaz de resolver muitos problemas da humanidade através de investigações rigorosas, válidas e bem fundamentadas.
O Filósofo Alemão Ernest Cassirer (1874-1945) disse: "A ciência é o último passo no desenvolvimento espiritual do homem e pode ser considerada a mais alta e mais característica conquista da cultura humana." CASSIRER, Ernst. Antropologia filosófica. São Paulo: Mestre Jou, 1977, p.325.
Augusto Comte (1798-1857), filósofo francês, foi um grande expoente do pensamento iluminista do século XIX. Afirmava que o domínio da natureza por meio da tecnologia, levaria ao progresso da humanidade. Para Comte, a humanidade passaria necessariamente por três fases: 1) o estado teológico ou religioso; 2) o estado metafísico ou filosófico e 3) o estado positivo ou científico. Neste último, a ciência ganharia autonomia e a humanidade atingiria seu maior grau de maturidade e evolução.
Essa ideia iluminista de progresso científico e consequentemente da humanidade, levou a um conceito chamado de razão instrumental, que seria estudada posteriormente por filósofos ligados à Escola de Frankfurt. Hebert Marcuse (1898-1979) foi um desses filósofos, que desenvolveram um estudo chamado de Teoria Crítica da Sociedade. A principal crítica dessa teoria em relação à razão instrumental é que essa abordagem da ciência se tornou mecânica transformando-se em instrumento de exploração da natureza e de dominação nas relações de trabalho de acordo com os valores da sociedade capitalista. A ciência e a tecnologia passam então a serem servas do sistema capitalista. Em detrimento da razão instrumental, a Teoria Crítica da Sociedade dos frankfurtianos propõe uma outra abordagem, a da razão crítica ou comunicativa, que levaria em conta não só os avanços científicos e tecnológicos, mas também as condições humanas nas suas mais variadas situações. Jungen Habermas (1929-) afirma que nos desdobramentos da ciência e da tecnologia estão presentes ideologias, representações de visões de mundo que justificam relações de poder; e que por isso não é possível concebê-las como prontas e acabadas, mas que devem estar sempre em debates.
Diante da ideia de que conhecimento científico e tecnológico são conceitos sempre em construção, vale mencionar os estudos do filósofo Karl Popper (1902-1994). Ele desenvolveu um critério para avaliar as teorias científicas o qual chamou de falseabilidade das leis gerais. Esse critério se resume da seguinte maneira: uma teoria científica para se estabelecer é fruto de muitas pesquisas e experiências através de testes e mais testes. E que quando se consegue demonstrar as conclusões a que se chegou então se tem uma verdade científica. No entanto, Popper faz críticas a esse procedimento e afirma que uma teoria, que demonstra verdades científicas, precisa passar pelo crivo da falseabilidade, isto é, precisa estar sempre sendo colocada à prova, e se por ventura, em uma determinada circunstância vier a falhar, então precisará ser descartada ou reformulada. Nesse sentido, nenhum conhecimento científico é pronto e acabado, pois sempre deverão estar sendo revisados e colocados à prova.
A importância das reflexões de Popper está na ideia de que não se pode confundir ciência com pseudociência. Isto é, existem teorias bem formuladas que parecem ser científicas, mas que na realidade não são, pois apresentam falhas, às vezes sutis. As pseudociências se dão em diversas circunstâncias: por falhas nas pesquisas, por limitações humanas e instrumentais, mas também por interesses e relações de poder. O importante é não esquecer dos princípios da ciência da neutralidade, da imparcialidade e da autonomia, mas sem cair na ingenuidade de achar que por si só a ciência será isenta.
Referência: VASCONCELOS, José Antonio. Reflexões: filosofia e cotidiano. 1ª ed. São Paulo: Edições SM, 2016. (Cap. 8)
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