11/6/2020
A História se apresenta como ciência no século XIX pela necessidade de se fazer um estudo mais crítico e apurado dos relatos e acontecimentos do passado humano e sua memória. Os estudos da história vão revelar que os relatos possuem perspectivas e interesses dependendo de quem conta e que aqueles que estão no poder tendem a impor sua visão do passado a fim de perpetuá-las como "verdades", porém os historiadores podem nos revelar outras perspectivas e assim nos possibilitam uma percepção mais crítica desses acontecimentos do passado.
Segundo Maurice Halbwachs (1877-1945), há semelhanças e diferenças entre memória e história. Tanto a memória quanto a história se referem ao passado, porém a memória é vivida, carregada de carga emocional e sem possuir um rigor crítico. Já a história busca um relato com base em exames críticos das fontes, como registros, escritos ou documentos de forma a apurar a verdade dos fatos ou dos acontecimentos. Ou seja, a história é ciência.
Fazer um relato verdadeiro sobre o passado é o principal desafio da história. E esse desafio se evidencia ainda mais quando se constata que o ser humano é movido por interesses e que nem sempre são os mais honestos. Interesses escusos dos sujeitos históricos ao longo dos tempos dificultam o trabalho dos historiadores. Isso porque o historiador está em um tempo distante do tempo estudado e contextualizar esse passado se torna exigente e desafiador. Um outro fator, nesse desafio do historiador, é que as narrativas do passado, que passam a ser fonte para os historiadores do presente, também são carregadas de pessoalidade, interesses e, quase sempre, servem aos poderosos de determinada época. A História, como ciência, deve, então, fazer um trabalho minucioso e interdisciplinar envolvendo as mais diversas áreas da ciência na tentariva de se entender o passado humano. Por exemplo, o humanista italiano Lorenzo Valla (1405-1457) provou que o documento histórico Doação de Constantino, que dava a Igreja Católica plenos poderes e privilégios, fora falsificado, pois o latim do documento era diferente do latim da época de Constantino. Segundo o italiano, o documento foi forjado no século VIII ou XI, fazendo referência ao século IV.
Para Voltaire (1694-1778), o maior inimigo da história é a fábula ou o discurso ficcional. Para ele, a história deve relatar verdadeiramente os fatos ocorridos. Ainda, segundo o filósofo, a história deve ser interpretada como processo, não exatamente contínuo, uma vez que Voltare julgava o seu tempo inferior a outros tempos, como o do Renascimento, no entanto, a humanidade progride, e o desenvolvimento das artes e das ciências demonstram isso.
Caritat acreditava que o desenvolvimento das ciências e da técnica era acompanhado por um progresso moral do gênero humano.
Hegel concebia a história como uma progressiva realização da liberdade: nas sociedades despóticas do Antigo Oriente, só os déspotas eram livres, nas poleis gregas, apenas alguns eram livres, mas na sociedade, moderna a Revolução Francesa prometia trazer a liberdade a todos.
Ao contrário dos pensadores acima, Rousseau concebia a história não como progresso, mas como declínio. Assim, para ele, o desenvolvimento das ciências e das artes, como a instituição da propriedade privada, teria levado à degeneração moral da sociedade.
Em um contexto de autonomia da história como ciência, Paul Ricoeur, percebe a importância da narrativa nos relatos históricos.
Para entender a concepção de história para o filósofo, é importante compreender os conceitos de distensão ou discordância em Santo Agostinho e de concordância em Aristóteles.
A ideia de distinção ou discordância significa que a alma, isto é, o sujeito, está separado do tempo, porém ao mesmo tempo, unido a ele pelas perspectivas de passado, presente e futuro. Tanto o passado, quanto o futuro, são o mesmo presente, pois é o tempo em que a alma sempre se encontra.
A concordância em Aristóteles é a ideia da tessitura da intriga, ou seja, a concordância reúne elementos dispersos e diferentes como personagens, ações, cenário, etc. A trama narrativa integra esses elementos, dotando-os de um sentido e dando unidade ao conjunto.
Com isso, Paul Ricoeur cria o conceito de síntese do heterogêneo, unindo o conceito de discordância de Agostinho, onde afirma que o tempo é distensão e de concordância de Aristóteles, quando afirma que a narrativa é congruência de elementos diferentes.
O historiador, portanto, para Paul Ricoeur, além de estudar as fontes históricas, fazer suas análises e conclusões, precisa tecer ou narrar todo aquele contexto para que tenha sentido e relevância para as pessoas do presente. E nesse sentido, um trabalho de conjunto pode ser muito frutífero em que o cientista e o literário podem trabalhar juntos.
O historiador britânico Quentin Skinner (1940-) é um estudioso da história das ideias e chama a atenção para a questão do anacronismo nesse estudo. Por anacronismo se entende uma interpretação descontextualizada dos fatos ou acontecimentos históricos, nesse caso, das ideias ou do pensamento de determinado autor em um determinado período histórico.
Para Skinner, o estudo da história do pensamento precisa ser feito de forma contextualizada. É inadmissível, segundo o filósofo, fazer esse estudo como se os escritos filosóficos, de determinado período, fossem contemporâneos, isto é, voltados para os dias atuais, ou buscar neles uma "sabedoria perene" na forma de "ideias universais", desligadas do contexto histórico na qual foram produzidas.
São três os tipos de erros que o historiador das ideias pode cometer e assim provocar essa descontextualização: o erro da mitologia da doutrina; da mitologia da coerência e da mitologia da prolepse.
Erro da mitologia da doutrina: formular observações ou interpretações sobre determinadas ideias atribuidas a um determinado filósofo, porém, se for mais afundo, pode se perceber que o próprio autor nunca formulou tais ideias ou doutrinas.
Erro da mitologia da coerência: consiste em interpretar textos de autores do passado negligenciando suas prórpias incoerências ou lacunas, tentando assim , dar uma uniformidade ou coerências a um conjunto de ideias, mas que talvez não se sustentem.
Erro da mitologia da prolepse: diz respeito à considerações posteriores à escrita do texto, e que certamente não estavam na mente do autor no momento da escrita.
Referência: VASCONCELOS, José Antonio. Reflexões: filosofia e cotidiano. 1ª ed. São Paulo: Edições SM, 2016. (Cap. 3)
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